quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O JARDINEIRO QUE VESTIA PRETO

Sempre que penso que chegou a hora de cortar a grama ou mexer no jardim da minha casa, ele aparecia no portão, de forma inesperada, sem avisar, pronto para fazer o serviço de jardinagem.
            Jacinto é um homem estranho, veste-se sempre e completamente de preto, das longas botas ao chapéu, mesmo nos dias de sol escaldante de verão.
            Já o vi algumas vezes perambulando calmamente pelas ruas do Centro Histórico de Curitiba, e também pelo Calçadão da Rua XV, como se estivesse observando o comportamento da cidade e dos passantes, mas sempre com a mesma roupa.
            Desde que me conheço por gente, conheço esse homem e ele não mudou em nada no passar das décadas. A mesma fisionomia, o mesmo andar, o mesmo olhar e a mesma roupa.
            No trabalho, o homem parece uma máquina incansável, que quase não para. Faz três pausas durante o trabalho. Uma para o almoço e outras duas para os lanches da manhã e da tarde, que ganha dos proprietários das casas em que trabalha. No almoço, são dois ou três pratos fartos de comida. Cheguei a pensar que Jacinto tem dois estômagos, pois impossível para um homem daquele tamanho, de porte médio e magro, comer daquele jeito. Lá pelas três da tarde, ele pede seu café com não menos que quatro pães. O café é tomado diretamente do bule, sem cerimônia alguma e, ai de mim, se o café não estiver bem doce.
            Penso que ele não é certo do juízo. Fala umas coisas estranhas. Repete sempre que viaja por todo o Paraná a pé. Realmente eu já cheguei a vê-lo andando pela rodovia entre Curitiba e Palmeira e parei para oferecer uma carona, mas ele não me deu atenção, como se eu não existisse.
            Durante os seus serviços de jardinagem, fica falando que sabe a idade de todas as pessoas que conhece, e nunca dá menos de cem anos para quem quer que seja. Esse jacinto só pode ser doido mesmo. Para uma criança de cinco anos, filha de um conhecido que sempre dá trabalho ao jardineiro, ele afirma e insiste que ela tem cento e vinte e seis anos.
            A matemática dele é um absurdo e o preço que cobra nem se fala. O cara trabalha feito um touro, deixa um enorme jardim impecável e cobra valores que praticamente não dariam nem para um almoço. Certa vez, ele queria me cobrar só quinze reais pelo serviço, e acabei dando cem, por tudo o que fez e caprichou no meu quintal. Outra vez então, três meses depois, quis me cobrar dez reais, dizendo que precisou reajustar o seu preço.
            O que pensar de um homem desse? O fato é que sempre pago o preço justo e ainda dou de comer a esse maluco.
            Esses tempos, sentindo de perto o cheiro do homem e a sujeira de suas roupas pretas, ofereci algumas peças de roupas a ele, mas não aceitou porque não gostou das cores. Só usa preto mesmo.
            Uma vez me falou que já trabalhou e morou em todas as cidades do Paraná e até lá pelas bandas de São Paulo, mas eu não dou bola para o que esse doido me diz.
            Eu gosto do resultado do trabalho dele. Deixo que ele fale o que quiser, pois eu até me divirto um bocado com isso. Ele ajuda com as suas maluquices a deixar o meu dia mais alegre. Chego a dar umas belas gargalhadas, mas ele se irrita com isso, dando a impressão de que está falando sério das suas doideiras.
            O sujeito tem uma cara amarrada, mas no fundo, tem um bom coração. O que me assusta um pouco é a reação dos cães quando ele se aproxima. Os bichos se escondem agachados nos cantos e gemem de medo de Jacinto, mas acho que é pelo jeitão do cara, das suas roupas e do grande chapéu que faz sombra em seus olhos, o que faz com que os cães fiquem amedrontados, penso eu.
            Certa vez, eu olhei para o jardim, e novamente vi que estava na hora de cortar a grama, trocar algumas flores e podar alguns galhos de árvores. Não tinha terminado de pensar e já percebi Jacinto plantado no portão, pronto para iniciar o trabalho. Já cheguei a ter medo de que esse homem tenha o poder de ler pensamentos.
            Naquele dia, trabalhou até por voltadas dez horas e me pediu seu café. Lá pelo meio dia, forneci seu almoço e lá foram duas montanhas de comida, e eu fico feliz por vê-lo comer bem. Ele passou a mão na barriga em sinal de satisfação, não descansou nem por cinco minutos e voltou ao serviço. Próximo das quatro horas me pediu seu café da tarde. Dei uma reforçada no lanche. Forneci queijo, biscoitos e alguns pedaços de bolo de fubá. Nada sobrou do que dei a ele.
            Jacinto trabalhou até umas seis da tarde e deixou tudo muito em ordem. Talvez tenha sido o melhor trabalho que ele fez no jardim.
Perguntei a ele o quanto eu deveria pagar, esperando sempre uma surpresa no valor anunciado por ele. Com sotaque caboclo, o homem me respondeu dizendo:
- “O sinhô pode dá uns cinqüenta centavo que tá bão”. “Dá pá cumê a semana intera com isso”.
Me virei e segui para pegar o dinheiro na casa, não tendo como não rir das doideiras que ele fala.
Enquanto o jardineiro foi juntando seus apetrechos, entrei na cozinha da casa para pegar o dinheiro no valor justo de cem reais. Voltei para o jardim e percebi que Jacinto já havia ido embora. Não esperou pelo pagamento.
Naquela noite passei em claro pensando no jardineiro, no que teria para comer e como fazia para comprar o que precisava, visto que, não tinha ideia alguma de valores. Meu coração ficou apertado pensando em como ele fazia para sobreviver.
Ao amanhecer, passei no supermercado, fiz uma boa compra para ele ter o que comer, e procurei pela sua casa, com as dicas de um vizinho que sabia onde ele morava.
Jacinto morava em um pequeno rancho no subúrbio de Curitiba, à beira de um córrego malcheiroso, um verdadeiro barraco feito com retalhos de madeira e outros materiais que foram úteis para fechar as frestas da casa. Bati palmas e fui recepcionado por ele, vestido como sempre, todo de preto. Desconfiado, convidou-me a entrar e dei a ele a compra que fiz.
Disse a ele que eu estava também trazendo o dinheiro no valor que achava justo.
O jardineiro ficou pensativo, e não querendo pegar o valor, somente a compra, deu uma suspirada como quem se preocupa com a situação, mas aceitou. Apanhou debaixo da velha cama, uma caixa grande, onde havia uma grande quantidade de dinheiro. Eram notas de real, cruzados novos, cruzeiro e réis, que ele fez questão que eu pegasse para ver. Disse que esse dinheiro todo era dos pagamentos recebidos pelos seus serviços de jardineiro. Jamais havia utilizado um mísero tostão do que ganhara de pagamento de seus serviços em toda a sua vida.
Confesso que fiquei atônito e com medo do homem naquele momento. O que me chamou a atenção, muito mais do que o acúmulo de notas antigas, daquelas dignas de estarem em um museu, foi um cheque nominal destinado a ele, assinado por um tal Capitão Leôncio, com data de 25 de setembro de 1910, quase cento e dez anos atrás.
Aquele dia em que estive na sua casa, foi a última vez que vi aquele homem misterioso.
A última notícia que tive de Jacinto, segundo um conhecido meu, é que ele teria sido visto perambulando por uma rodovia próxima a Maringá, com seus apetrechos de jardinagem, possivelmente a procura de um jardim para cuidar, todo vestido de preto.

Autor:
Foto: Elizeu Eduardo Czekalski
Leandro Ditzel

terça-feira, 7 de junho de 2016

“A Leitura te dá asas à imaginação e
as histórias dos livros passam a ser suas dentro de sua mente, com as cenas que você mesmo recriou, a partir do que os autores haviam criado”. A leitura é tão formidável, que te faz viajar por um mundo que é só seu.

Leandro Ditzel

sábado, 6 de fevereiro de 2016

AS VÁRIAS INTERPRETAÇÕES SOBRE A LITERATURA

Sempre fui aficionado por leitura, em especial, os livros de conhecimento geral, e as revistas científicas, que foram moldando minha forma de ver o mundo e me faziam sonhar e imaginar com cada novidade da ciência, cada informação, que faziam minha mente criar e recriar as imagens imaginárias que surgiam a cada parágrafo dos textos e um universo dentro de mim. Talvez, por isso, haja tantas histórias e tramas fervilhando em minha mente, esperando minhas mãos fazerem a caneta deslizar sobre a branca folha de papel, imprimindo cada uma delas. Muitas delas ainda estão lá, esperando o dia em que ganharão os traços da caneta para deixarem de ser somente minhas para ganharem a mente de outras pessoas que poderão recriar aquilo que escreverei.
            Não posso deixar de citar minha outra paixão, que é a literatura, em especial, a ficção, que tanto encanta crianças e adultos, a exemplo, dos livros da coleção Vaga-Lume que, terrores e tremedeiras me causaram nas provas orais de literatura no colégio, mas tantos prazeres e encantamentos me proporcionaram.
Já me peguei algumas vezes, me questionando se os personagens de um determinado livro que leio e os construo em minha mente, são tão diferentes destes mesmos personagens construídos na mente de outros leitores. Certamente que sim, penso eu, mas não tenho como explicar o que vejo em minha mente, assim como não há como adentrar a mente de outras pessoas para vislumbrar os personagens que se moldam lá, diante da leitura de um mesmo livro.
Talvez por isso, seja tão bom fazer uma leitura, porque essa trama, esses personagens, por mais que tenham sido idealizados pelo seu autor, se tornam tão individuais e, “tão meus” que, da forma como eu os “vejo”, só acontecem para mim, na transformação da dureza das linhas escritas e imutáveis, para a leveza e flexibilidade da imaginação do leitor. É o leitor criando junto com o autor, na mais perfeita interação de criatividade, onde, um cria, e o outro recria.
Quem lê, passa a ser o dono da história, pois, cada cena, cada lugar e cada personagem, na forma como são vistos e formados nas entranhas do cérebro e na conexão dos seus neurônios, só existem no imaginário do leitor. O autor perde o controle da sua criação, que passa a ser controlada ativamente pelo seu leitor. É por isso, talvez, que o hábito da leitura seja tão prazeroso, e tão diferente do que assistir a um filme em que somos seres passivos diante das cenas prontas e imutáveis ao espectador.
Ao autor, cabe o roteiro e, ao leitor, a direção do espetáculo que se passa em sua mente enquanto lê a trama idealizada pelo primeiro.
Da mesma forma, a própria história poderá ter diferentes interpretações, pois cada leitor tem uma maneira própria de ver o mundo, por meio de suas experiências e de sua criatividade. A própria crítica literária a respeito de um livro, poderá soar estranha a quem lê, da mesma forma, ter interpretações diferentes e entre diferentes críticos.
O que nos impõe ver uma mesma coisa, um livro e sua história, de forma tão diferente entre diferentes leitores, são os filtros construídos por nossas experiências de vida, nossas expectativas, angústias, alegrias e frustrações. O olhar depende de quem vê, não de quem é visto.
Eu pude vivenciar muito bem essas situações em meu livro “Metrópole dos Cães”, o qual foi gerado quase que completamente em minha mente antes de ser transcrito para o papel. Cada capítulo, cada lugar e cada personagem, já haviam sido idealizados por mim e tinham forma em minha mente e, à medida que eu ia escrevendo, eram esses personagens que tomavam conta da história e faziam a trama se desenrolar. Era como se cada um deles dialogasse comigo e me mostrasse qual era a melhor cena a ser escrita naquelas linhas.
Comecei a perceber, que aquilo que até então era fantasia para mim, começava a ganhar forma e vida. Passei então a ser expectador de minha própria criação, sendo o criador da história e o narrador, que transcrevia sua narração diretamente para os amontoados de papel que futuramente formariam o livro. O autor detém o controle daquilo que cria, mas com certa flexibilidade que permite que a história tome rumos diferentes daquilo que idealizou anteriormente. Caberá então, ao leitor, fazer com que a história ganhe nuance, tornando o texto da forma com que ele imagine ser.
Tive a oportunidade de receber e-mails ou encontrar em sites, alguns comentários de leitores a respeito do meu livro ou das minhas crônicas que publico em revistas, jornais ou sites. Estes leitores fizeram uma análise daquilo que escrevi. São pessoas a mim desconhecidas, mas que de alguma forma, ficaram interessadas pelos meus textos e, cada um com seu ponto de visão, deram a sua opinião.
Em um dos sites que trata de literatura, encontrei o seguinte comentário:
- “Metrópole dos Cães possui personagens animais (literalmente) e aborda de forma inteligente problemas de nosso meio ambiente. O autor é Leandro Ditzel, mais um Nacional, que busca na literatura uma forma de concientização! Dei uma espiada e me parece ótimo, de fácil leitura, bom para carregar na bolsa e para todas as idades. A narrativa é muito fluida, leiam!”
            Em outro site que apresenta resenhas de livros, pude vislumbrar a seguinte análise:
- “Você tem filhos, irmãos pequenos ou amigos pequenos? Esse livro é perfeito para eles! Não tenho muito o que contar do livro pois como ele é fino acho que se eu contar demais acaba perdendo totalmente a graça, mas posso dizer algumas coisas que fizeram a leitura valer à pena”.
- “O livro é narrado por um cão, e como o próprio título já diz, eles moram numa cidade onde a maioria dos habitantes são os cães, mas também há gatos e pássaros. Todos os cães têm como objetivo fazer com que o mundo seja ecologicamente correto, algo que é um pouco complicado, mas não na Caninolândia!”
- “Ao decorrer do livro vemos o que é preciso fazer para que o mundo seja ecológico e como podemos ajudar (mesmo sendo cachorros contando huahua), algo que achei o ponto alto do livro. Por mais que o assunto seja algo relacionado a todos nós independente da idade, acho que esse livro é mais direcionado a crianças, pois está ensinando de uma maneira diferente e divertida!”
 - “O autor está de parabéns tanto pelo livro quanto pela iniciativa! Um livro divertido e super fofo!”
            Uma leitora comenta no site Caçadores de Livros: "Gostei do Livro Metrópole dos Cães (Leandro Ditzel)".
            O próprio professor José Maria Orreda, historiador e escritor, fez sua análise do meu livro, a qual me surpreendeu ao eu vê-la em jornal local. Peço licença nesse momento, para apresentar "Metrópole dos Cães, não pela apresentação do autor, mas, pelas palavras do Professor Orreda e pelo olhar desse grande crítico iratiense. Na integra do texto, assim disse o professor:
- “A Metrópole dos Cães é o título do livro de Leandro Ditzel, uma grande metáfora. A pequena metáfora tem a dimensão de uma frase. Uma grande metáfora tem a dimensão de uma obra. P. ex, Dom Quixote de La Mancha, de Miguel Cervantes. A aventura de Quixote e Sancho Pança, o perdido tempo da cavalaria, o sonho de amor e outro da ilha, eis a metáfora imortal. Como em Cervantes, a metáfora de Leandro tem a dimensão do livro inteiro. E o que é uma metáfora? É descrever uma idéia ou a realidade através de alegorias, com cenas irreais, mágicas, mas que retratam o espírito e a alma de um momento; a fantasia que encanta. É o que alcança Leandro Ditzel em A Metrópole dos Cães. Ele analisa a destruição ambiental, o consumismo, a tragédia da alimentação inadequada, (o Brasil tem 66% de obesos), o desmatamento, o fogo nas florestas, o lixo abundante, o aquecimento global, etc. Os personagens do livro são cachorros e passarinhos, eles fazem o discurso do comportamento humano em sua alienação predatória, em sua irracionalidade capitalista, o capitalismo selvagem sem racionalidade, o lucro é o deus único, a oração do sucesso, o vale tudo pelo ouro.
Na Caninolândia, a cidade onde a maioria dos habitantes são cães, o prefeito é um cachorro de nome Urso, bom administrador e muito honesto, com elevado ibope, vive confinado em seu gabinete no Palácio dos Cachorros e, após o expediente, diante da TV Cão; a primeira dama, de nome Suzy, uma cadelinha de dar água na boca da cachorrada, miss várias vezes, dona de uma academia de ginástica, mas consumista, gastadora incontrolável. Suzy faz ginástica, esbelta, cuida de sua alimentação, todavia, vive nas lojas e shoppins, seu esporte favorito, o consumismo sem limites, a psicose da compra compulsória. Existe na fábula da Metrópole dos Cães a figura do Barrigudão, um cão cruel que causa grandes problemas à sociedade e ao ambiente. Pois ele só pensa em comer esganifadamente, ter lucro fácil, derrubando com seu trator, o pouco das florestas que ainda restam, sem se preocupar com os animais que vivem lá. Mas um dia a cidade de Caninolândia começou a receber novos moradores procedentes da passarolândia, que chegam com suas esposas e filhos em busca de uma vida melhor numa cidade em próspero desenvolvimento. Na cidade havia uma universidade, a Unicão, onde lecionava o cão Hipólito, filho do prefeito. O livro se divide em seis capítulos. No prefácio. A cidade e seus moradores; 1. O encontro; 2. Algo estranho com o clima; 3. O passeio pela natureza, a grande expedição; 4. A mudança de atitude; 5. O castigo de Barrigudão; 6. O artigo de Pingo, o grande conselho. Pingo é um intelectual que escreve uma carta com alguns bons conselhos. E começa dizendo que todos querem se desenvolver. Assim como todos os países querem crescer, uns mais do que outros, não importando o que fazem de bem ou de mal para alcançar a vanguarda. Para tanto passam por cima de tudo de todos, inclusive a própria natureza. Devastam, queimam e poluem. Mas chegou a hora em que cada um deve fazer a lição de casa. (...) Claro, claro, irmão devoto. A Metrópole dos Cães, editado pela ALL Print, SP, 111 páginas, capa de Mirta Bombardelli, autoria de Leandro Ditzel, atual secretário da saúde do Município, merece ser lido e relido por crianças, jovens e adultos, inclusive em família, após o jantar ou aos domingos após a missa ou o culto, no anseio do fortalecimento coletivo, em busca da consciência perdida. Essa obra já está sendo utilizada em escolas superiores em alguns estados brasileiros, menos no Paraná onde os talentos são invisíveis. E deveria ser utilizado em todas as escolas, em todos os níveis, onde a preocupação com a formação cidadã seja ação real e permanente. Somos todos responsáveis pelos danos ao ambiente, a mudança de comportamento é urgente, diz Leandro. O livro é um apelo singelo à vida humana com qualidade e preservação da Terra com respeito e amor”.

José Maria Orreda
Escritor e Historiador

            Essas várias formas em que meu livro e meus textos foram vistas, não me causou espanto. Pelo contrário, me trouxe alegria e satisfação. É o que todo autor espera. Quem escreve quer que sua obra seja de fato analisada e, se várias interpretações foram feitas, é porque causou interesse no leitor e esse, por sua vez, fez com que a história ganhasse sua versão, própria e particular daquilo que o autor escreveu, demonstrando que houve vontade que o texto não se resumisse às simples linhas escritas nos textos e, estes, se incorporassem no imaginário do leitor.
            O interessante é que, depois que você publica um livro, você se sente autor por um tempo, mas, passado esse tempo, você passa a ser leitor daquilo que fez. Já me flagrei lendo meu livro fazendo uma análise do eu havia escrito, como se eu fosse somente mais um leitor tentando entrar na mente do autor para tentar decifrar o que ele havia escrito. É como se houvesse dois vocês dentro de si. Um que escreve e outro que tenta analisar o que escreveu. É o que fiz ao ler e reler o livro Metrópole dos Cães.
            Para mim, o livro foi um misto entre a ficção, com personagens inventados e uma forma de ver o momento em que vivenciamos em nossa sociedade e no planeta, com suas degradações e a necessidade de despertar no ser humano o espírito da preservação ambiental.
            Mas o porquê de se fazer esse tipo de abordagem utilizando a fabula? No livro ela tem uma série de significados: personagens infantis ou animais, têm grande poder de desencadear interesse nas crianças e adolescentes, mas, também, podem projetar nas figuras dos animais as ações dos seres humanos, transferindo aos primeiros, a carga de responsabilidade que carregamos nos ombros, tornando-nos espectadores das nossas próprias ações, invertendo, no caso do livro que fiz, os papéis entre as vítimas e vilões da real degradação ambiental.
            Isso nos dá a noção de que não gostaríamos de pagar pelos erros ocasionados pelas outras espécies. No livro é possível perceber, através dessa incorporação do ser humano na figura dos animais, de que não gostaríamos que as outras espécies fizessem conosco o que fazemos com elas e até mesmo com a própria espécie humana.
            A fábula é também uma forma divertida de trazer á tona os problemas da sociedade em uma doce lição de moral.
            O livro Metrópole dos Cães traz sim, como diz o professor Orreda, uma crítica ao sistema capitalista no seu sentido consumo excessivo, sendo que foi uma das propostas do livro, mas não desmerece em momento algum, a democracia e a liberdade que não almejamos em momento algum, perde-las.
                        Quando li o livro “O Pequeno Príncipe”, clássico de Antoine de Saint-Exupéry, que nos contempla com essa grande obra e nos apresenta a história que construiu em sua mente de uma forma diferente que muitos autores, pois, além do texto que relata a viagem de um menino por diversos planetas e por um universo próprio, Antoine de Saint-Exupéry nos agracia com suas aquarelas pintadas especialmente para o livro, retratando a imagem fiel que ele queria que o leitor tivesse ao ler sua obra. Acredito que o autor queria compartilhar toda a beleza e singeleza que imaginou, pois, talvez para ele, as aquarelas retratem o que deveria ser o pequeno príncipe não só para ele, mas também para o leitor. Porém, penso eu, que o desenrolar da História e a direção do espetáculo durante sua leitura, cabe ao leitor e à sua imaginação.
Na leitura dessa obra, formei mentalmente a figura do personagem, no padrão das aquarelas do autor. Formulei com minha criatividade a figura do aviador e as cenas do livro, cabendo a mim, compor boa parte do cenário que só existem em minha mente, só existe para mim.
Cada página que lia, fui apreciando e degustando a história. Ao término do livro, fechei o livro e meus olhos relembrando em alguns segundos todo o livro, como se fosse uma grata lembrança da história do pequeno príncipe que agora vive dentro de mim.
Foi aí que, por mera curiosidade, busquei assistir ao filme, talvez na intenção de complementar ou reviver a história trazida pelo autor e reformulada dentro de mim. Empolgado, busquei pelo filme. Desisti bem antes da metade. Foi decepcionante, não por que achei que a gravação ou os atores não tinham qualidade, mas, porque o filme quase que desmontou as imagens e cenas formuladas em minha mente. A história para mim é aquela que meu cérebro elaborou através das linhas e aquarelas do livro. Para quem assiste o filme e se dá satisfeito com esse ou busca a leitura do livro depois é uma coisa. Agora, para quem faz o contrário como eu, que lê primeiro para depois buscar pelo filme, com certeza passa por um conflito de imagens.
Talvez no filme, o maior conflito que minha mente ficou exposta, foi pelo fato de que este foi um musical.
Sobre o filme, cada um faz a sua interpretação, mas, afinal, o que representou para Antoine de Saint-Exupéry a história criada por ele? Teria ele gerido toda a história antes dela ir para o papel ou foi surgindo conforme o autor ia escrevendo?
Seria o personagem aviador o próprio autor? Penso que sim.
Seria o pequeno príncipe, o pequeno viajante, personagem apenas idealizado no imaginário do autor? Ou quem sabem, um viajante do espaço alienígena em forma de criança inventado pelo autor? Ou, quem sabe, o relato verdadeiro de uma possível experiência vivida pelo autor no deserto, e que, por receio de falar a alguém, relatou com o singelo personagem e as doces linhas do livro?
Seja o que for ou quem tenha sido o pequeno príncipe, ou quem, simplesmente não tenha sido, apenas uma figura imaginada por Antoine, cabe a cada um de nós criar o seu próprio Pequeno Príncipe dentro de nós.
Que o Pequeno Príncipe continue vivo dentro das nossas mentes, da forma com que cada um imaginou.
Que a literatura continue viva por todas as gerações para que possamos criar dentro de nós, um mundo próprio, único.
Através da literatura podemos criar e recriar, viver e sonhar.
Quanto ao autor, Quase sempre há algo pessoal dele na história que ele faz. Claro que a criatividade e o suor – sim, o suor – são necessários e pontos fundamentais para se escrever um livro, especialmente os de ficção. Mas, penso eu, que em cada personagem há, quem sabe, um pouco do próprio autor, ou talvez, esses personagens sejam estereótipos de alguém ligado a ele, ou talvez, uma figura que ele conheça, ou seja, polêmica para a sociedade.
Que o autor tenha criatividade suficiente para viver intensamente o que idealizou e para instigar no leitor o gosto pela sua obra, e que o leitor possa recriar e viver intensamente a emoção de uma boa leitura.
Por mais dura e difícil que a vida possa parecer, sonhar sempre vale a pena e, o livro é uma das melhores maneiras de termos um universo só nosso, que nos motiva a continuar sonhando a viver. Leia, viva, sonhe!



Leandro Ditzel
Membro da Academia de Letras, Artes e
Ciências do Centro-Sul do Paraná - ALACS