quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O DESABAFO DE UM PASSARINHO

Hoje pela manhã, o Sol nasceu belo e vigoroso. Seus raios vieram como um sopro de vida e aconchego, que aqueceram meu corpinho e aliviaram um pouco meu sofrimento por causa de uma gélida e interminável noite que enfrentei. Não havia como parar de tremer, exposto ao vento cortante que penetrava através das minhas frágeis peninhas.
Nessa noite, fiquei praticamente o tempo todo acordado e com uma fome que doía o meu papinho. Eu estava em uma das poucas árvores, que ainda restam na região, olhando para uma casa bem próxima a mim. Através dos vidros da janela embaçada pelo frio e pelas cortinas entreabertas, dava para ver pessoas felizes, bem agasalhadas e sorridentes, sentadas em um confortável sofá, comendo alguma coisa que parecia ser deliciosa. Eu imaginava que aquilo que comiam era muito bom, mas, a mim restava apenas imaginar como seria o gosto daquela comida, enquanto minha fome insistia em me lembrar que eu teria uma luta pela busca de algum alimento em forma de migalhas, assim que o dia amanhecesse.
Talvez na tentativa de esquecer meu sofrimento causado pelo frio e pela fome, não parei de olhar para a movimentação dentro daquela casa. Pude perceber os chinelos de pelo, que imagino serem quentinhos, e aquelas pessoas diante de uma bonita lareira, se aquecendo com o fogo que deveria fazer com que não sentissem o mesmo frio que me atormentava aqui fora. O fogo e a lenha lá dentro fizeram lembrar que, dias atrás, eu havia perdido a árvore que eu e minha família morávamos a poucos metros daqui, e que aquele homem, que sorri dentro daquela casa, havia cortado nossa casinha, e picado em vários pedaços. Hoje, eu pude ver aquilo que um dia foi a minha casa alimentando o fogo, para que aquelas pessoas não passem frio em uma noite tão fria como essa, que faz as minhas asinhas doerem, quase que congeladas.
Defronte a um objeto quadrado, que ouvi dizer que chamam de televisão, aquelas pessoas riam e se emocionavam diante de imagens ou outras realidades distantes, enquanto eu chorava em silêncio ao lembrar que, na minha realidade, terei mais alguns meses de frio intenso nas intermináveis noites.
Vi uma daquelas pessoas tomando um líquido fumegante, que imagino ser o que chamam de “chá quentinho”. Como aquele chá quentinho poderia ser reconfortante para um ser como eu numa noite como essa?
Mas, ao voltar à minha realidade, lembro-me que, pela manhã, terei que procurar por uma poça d’água suja e congelada, para que possa matar a minha sede e continuar minha luta pela sobrevivência. Quem sabe, eu tenha a sorte de encontrar um ser bondoso que pense em nosso sofrimento e coloque água e um pouco de comida para que nós, pássaros, herdeiros passivos da devastação causada pelos seres humanos, possamos ter o que beber e o que comer! Mas, isso só saberei assim que o tão esperado Sol aponte no horizonte pela manhã.
Quando já eram altas horas da noite, talvez madrugada, pude ver que as casas começaram a apagar as suas luzes e, quando isso ocorreu, sabia, pela minha experiência, que teria ainda um longo período de frio e escuridão.
Por outra janela, olhava atento, com os meus olhinhos gelados, que as pessoas se deitavam em camas macias e se cobriam com cobertores, os quais eu imaginava serem gostosos para se dormir tranquilamente.
As luzes se apagaram e, em meus pensamentos, desejei carinhosamente bons sonhos a todos dentro daquela casa.
Os sons da coruja e dos gatos me apavoravam, mas vivia na esperança de sempre, de que tudo estaria bem pela manhã.
Quero dizer que, eu e todos os pássaros, gostamos muito dos seres humanos, apesar de apenas alguns poucos deles gostarem de nós, e que apesar das diferenças entre eles e nós, todos temos uma luta para sobreviver em um mesmo mundo, dividindo o mesmo espaço.
A mim, restava sonhar com o dia que demorava a chegar, e, sonhava ainda, com não ver nenhum amiguinho meu morrer nessa noite com o frio que se fazia impiedoso, e para que nenhum ser malvado o maltratasse ou o apedrejasse por motivo nenhum assim que o dia despontasse.
Não peço para que vocês, seres humanos, recolham meus amiguinhos e eu para dentro das suas casas, pois queremos viver nossa liberdade. Peço, porém, que nos respeitem, nos protejam, mantenham as matas intactas e, se possível, deixem um pouco de água e comida no jardim ou no quintal, e também um cantinho debaixo do beiral do seu telhado para nos confortar um pouco do sofrimento que temos em dias de frio, pois, assim como vocês, sentimos frio, fome, dores e temos sentimentos.


Texto escrito por Leandro Ditzel

Leandro Ditzel
Membro da Academia de Letras, Artes e
Ciências do Centro-Sul do Paraná - ALACS

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O DESPERDÍCIO E A FOME

Estava eu, um dia desses, voltando de uma viagem com um grande amigo meu, quando sem ter muita opção, paramos à beira da rodovia para almoçarmos em um daqueles restaurantes de grande movimentação. Com fome, sentamos à mesa e começamos a almoçar. Com todo aquele movimento, comecei a observar as pessoas que almoçavam próximas a nós.
Foi quando então, me deparei com uma cena que de cara me chamou a atenção. Na mesa bem em frente a que eu e meu amigo estávamos, estava um casal comendo um rodízio de carnes. O garçom não parava de servir aquele casal e, a quantidade de carne que ele colocava em seus pratos era espantosa. Há cada cinco minutos em média, o casal chamava pelo garçom, para que ele trocasse a carne que estava em seus pratos, pois aquela que há instantes atrás ele havia servido, já estava fria e não estava mais de agrado ao casal. Fiquei surpreso em ver tamanho desperdício. Mas o casal continuava a solicitar pela presença do garçom, dizendo ao funcionário do restaurante: “Garçom, troque essa carne, pois essa aqui já não presta mais”.
Pasmo com o que acabara de ouvir, não deixei de perguntar a mim mesmo: O que é não prestar mais? Será que aqueles pedaços de carne entraram em decomposição em questão de minutos, ao ponto de não mais prestar para o consumo humano? Por que então, o casal não se serviu apenas com a quantidade necessária para saciar a sua fome? Estavam eles comendo por diversão, gula ou porque queriam que o preço da refeição valesse a pena? Não deixei então, de pensar nas várias possibilidades que aquela atitude causaria.
Pensei comigo, nas milhares de pessoas, que pelo mundo afora passam fome e sonham com um pedaço daquela carne, mesmo que tirada de uma lata de lixo. Pensei no aumento da demanda desse produto e no aumento da produção necessária para suprir tal desperdício. Pensei que, esse aumento da demanda, requer aumento na área de pasto para criar o gado, sem contar que além do mais, são necessárias mais áreas agricultáveis para produzir o milho e outros produtos para a fabricação da ração, a qual, os animais irão precisar para engordarem e servirem para a produção da carne.
Já pensou você, que se não fosse o desperdício e o consumo exagerado de carne no planeta, a fome não seria tão cruel com a nossa espécie humana? Queiram ou não, isso é uma verdade. Se o consumo da carne no planeta fosse reduzido, todas as áreas utilizadas para o pasto, bem como para a produção de grãos utilizados na produção da ração animal, seriam utilizadas para a produção de alimentos. Isso iria aumentar a oferta de alimentos oriundos da agricultura, além de reduzir drasticamente aqueles desmatamentos dos quais, insistimos em dar a culpa somente nas péssimas políticas de meio ambiente, esquecendo que o nosso consumismo é o maior vilão da degradação ambiental.
Mas todo o desperdício não é de exclusividade ao consumo da carne. Existem outras formas de desperdícios que vão desde a frota sucateada que esparrama toneladas de alimentos diariamente pelas rodovias do nosso país, ao simples desperdício de alimentos nutritivos em nossas casas que por motivos “culturais”, simplesmente vão parar nos lixões. Esse é o caso, por exemplo, dos alimentos como os talos de beterraba e de cenoura, com alto poder nutritivos, mas que infelizmente não nos demos conta disso ainda.
Como se não bastasse, nas feiras e supermercados, os nossos olhos são atraídos por aquilo que aparentemente é mais saudável, sem nenhuma mancha ou arranhão sequer. Preferimos frutas e legumes “perfeitos”, mesmo que para ficarem com essa aparência agradável, sejam utilizados os agrotóxicos mais prejudiciais ao nosso organismo. Por causa desse desprezo, milhares de toneladas de alimentos de boa qualidade, mas que pela suas aparências, apresentando pequenas “falhas” e manchas, perdem valor comercial e são jogados nos aterros das grandes e das pequenas cidades.
Outro dia, fui á uma pizzaria aqui de nossa cidade, e notei o quanto muitos dos clientes não tem a noção do desperdício. Simplesmente, lançam mão daquela borda da massa, a qual sem ter como ser utilizada é simplesmente jogada no lixo. Tentei entender a lógica desse desperdício, mas nenhuma resposta convincente veio à minha mente. Ao que sei, essa massa (a borda que acabo de mencionar), é basicamente composta de farinha de trigo, aquela mesma que teve seu preço levado às nuvens por causa da diminuição da oferta mundial desse produto.
Pois é. Enquanto falta trigo no comércio mundial, simplesmente jogamos no lixo a comida feita com esse grão, participando dessa forma, para que o preço do produto suba mais e mais, enquanto nossos irmãos desprovidos de recursos, choram por um pedaço de pão seco, vendo seus filhos serem consumidos pela fome.
Está na hora de refletirmos mais sobre nossas atitudes. Está na hora de entendermos que somos todos co-participes das agressões ao meio ambiente, da mesma forma que temos nossa parcela de culpa na diminuição da oferta mundial de alimentos.
Da próxima vez que você desperdiçar um alimento, seja ele qual for, lembre-se que alguém poderia ser alimentado com os nossos exageros, ou ainda, ser salvo com aquilo que simplesmente chamamos de resto.

Leandro Ditzel
Membro da Academia de Letras, Artes e
Ciências do Centro-Sul do Paraná - ALACS