domingo, 15 de novembro de 2009

CORRUPIÃO

Lá vem Corrupião. Lá vem ele, tropeçando sobre suas próprias patas trêmulas pela fome e pela caquexia. Lá vem ele ainda batendo os dentes por ter dormido mal sobre a branca geada que cobre a fria grama enlameada da invernada, protegido apenas pela sua rala pelagem mal cuidada.
Segue Corrupião ainda com fome e puxado à força pelo homem que sonha com a fama, até o local onde receberá uma corda que lhe apertará suas virilhas, fazendo com que sinta fortes dores, proporcionando êxtase ao homem com chapéu e calças largas. Quanto mais dores Corrupião sentir, mais fama o homem terá, pois os pinotes de desespero pela corda que quase o corta, faz com que o homem seja aplaudido pela multidão que mal sabe por que aplaude.
Lá vem Corrupião agora correndo e dando pinotes, estimulado pelas esporas que o ferem e pela corda que o maltrata. Pobre Corrupião que enquanto dá pinotes, divaga e sonha com um pasto verde, com a liberdade, com carinhos a serem recebidos e com a companhia de seus semelhantes.
Semelhantes ele não tem por perto quando mais precisa e, os carinhos, muito menos. Água, o homem acha que ele quase não precisa e, o pior, que essa água é quase sempre suja. Alimentos são insuficientes e sem variedades. Triste realidade, que ainda quando pequeno, ele mal imaginava que teria como destino.
Mas lá está Corrupião com olhos estalados, os dentes rangendo e dando pinotes pelas fortes dores, enquanto sonha com uma realidade menos cruel e torcendo para que o tal “espetáculo” logo acabe. Ao acabar a apresentação, Corrupião ouve uma grande salva de palmas. Não Corrupião! As palmas não são para você! São para o homem de chapéu e calças largas que pouco valor dá para você.
Dizem por aí, que Corrupião e outros como ele, que por aí também dão pinotes nos dias frios de inverno, são bem tratados e nada sofrem nos dias de festa. Dizem ainda, por aí, que festa como esta, melhor não há, e que benefícios, estas trazem para cá. Mas corrupião não consegue usufruir de tais benefícios que os homens de chapéu e calças largas, e os homens e mulheres que aplaudem, conseguem usufruir.
Há homens e mulheres que comem por diversão enquanto passam perto de Corrupião e, outros ainda, que lucram com tudo isso, um lucro que não sei bem como é. Doutro lado da cerca, Corrupião olha para os homens e mulheres que comem por diversão, enquanto trêmulo, se recupera das dores, ouvindo sua barriga a roncar pela fome.
Hoje é um dia feliz. Corrupião vai finalmente poder ir embora, olhando ainda exausto para trás, o lugar tão cruel, enquanto o caminhão que o leva, seque pelas ruas trepidantes de pedras irregulares.
Aqui está agora, Corrupião, de volta para o destino incerto, comendo o capim que o dono de algum terreno esqueceu-se de cortar, torcendo para que algum ser mais amável, de dó vendo a cena do pobre animal amarrado em um tronco, leve ao menos um balde com água pelo menos uma vez por dia.
Amanhã, talvez seja um dia incerto. Ele não sabe se para onde vai, sofrerá mais, ou menos. Mas, pelo valor que seu dono lhe deu, Corrupião foi trocado por um velho jogo de pneus.

Autor
Leandro Ditzel
Membro da Academia de Letras, Artes e
Ciências do Centro-Sul do Paraná - ALACS